2 – A Evolução da Qualidade

INTRODUÇÃO:

O conceito sobre QUALIDADE é subjetivo. Uma das diversas definições que podemos encontrar na literatura, mostra que é o modo de ser e a propriedade de qualificar os mais diversos produtos, serviços, objetos, pessoas etc. A palavra QUALIDADE (do latim QUALITATE) está relacionada às percepções individuais e é influenciada por inúmeros fatores: cultura, necessidades, expectativas, produto adquirido ou serviço prestado por uma determinada organização.

Com o significativo desenvolvimento industrial no início do Século XX e a produção em massa, o CONTROLE DE QUALIDADE surgiu para dar uniformidade aos processos.

Em ADMINISTRAÇÃO podemos entender a QUALIDADE como:

● O produto em CONFORMIDADE com as exigências dos clientes, ter valor agregado, diferenciais, relação custo/benefício etc.

● Qualquer execução coordenada sobre processos com a finalidade principal voltada para a melhoria de produtos/serviços, competir no mercado e garantir, ao máximo, a satisfação dos clientes.

● A busca pela QUALIDADE é preocupação permanente nas empresas. É uma atividade que atua reavaliando e racionalizando processos e métodos de produção, desenvolvendo ferramentas de controle, avaliando matérias-primas e insumos, avaliando SISTEMAS, capacitando a mão de obra e tendo cuidados com as formas de monitoramento. Este conjunto também inclui as tarefas administrativas. 

O conceito sobre QUALIDADE é subjetivo. Porém, um dos estudos voltados para a evolução da QUALIDADE, dentro de uma análise fora das discussões sobre conceituações, foi feita por DAVID GARVIN.

DAVID ALAN GARVIN (1952 – 2017): é um dos maiores especialistas em QUALIDADE. Foi um economista americano e, desde 1979, professor de administração de empresas da HARVARD BUSINESS SCHOOL em vários cursos no MBA.

GARVIN também se tornou estudioso de negócios, processos de gestão,  princípios da aprendizagem organizacional e  design e liderança de organizações. Teve destaque ao apoiar a excelência do ensino e a inovação. Autor ou co-autor de 10 livros e 37 artigos, estudou o desempenho de QUALIDADE entre empresas americanas e japonesas (as taxas de falhas americanas que eram mais de mil vezes maiores).

GARVIN também ganhou notoriedade por dois de seus artigos na HARVARD BUSINESS REVIEW que lhe renderam o prêmio McKINSEY:

● 1982: com “MANAGING AS IF TOMORROW MATTERED” (Gerenciando como se o amanhã importasse) em coautoria com o professor ROBERT H. HAYES. Este trabalho recebeu o prêmio McKINSEY como o melhor artigo da revista.● 1983: com   QUALITY ON THE LINE (Qualidade na Linha) com críticas sobre a qualidade dos produtos americanos – recebeu novamente o prêmio McKINSEY.

O seu livro GERENCIANDO A QUALIDADE é considerado por muitos como uma obra de grande valor. GARVIN, D. A. Gerenciando a Qualidade: a visão estratégica e competitiva. Tradução de João Ferreira Bezerra de Souza. Editora Qualitymark. Edição 3ª. Rio de Janeiro, 2002.

GARVIN trouxe a visão estratégica para o GERENCIAMENTO DA QUALIDADE dentro do processo de modernidade corporativa e apresentou um conjunto de atividades, teorias e táticas, para integrar a QUALIDADE ao planejamento e gerenciamento estratégico.

De acordo com GARVIN, o CÓDIGO DE HAMURABI (Mesopotâmia – Século XVIII a.C.) já apresentava indícios de preocupação com a QUALIDADE e, portanto, não é um aspecto inédito. O problema de algumas empresas não é a falta de interesse pela QUALIDADE, mas a falta de um correto entendimento sobre o tema, fundamental para ter um papel estratégico.

A EVOLUÇÃO DA QUALIDADE

As análises de GARVIN mostram uma melhor compreensão a respeito da EVOLUÇÃO DA QUALIDADE ao longo do tempo, organizada em quatro eras:

Era da Inspeção

Era do Controle Estatístico da Qualidade

Era da Garantia da Qualidade

Era da Gestão da Qualidade Total (“Total Quality Management – TQM”).

1 – Era da Inspeção: foi durante os séculos XVIII e XIX. Nessa época a fabricação era artesanal e dependia da habilidade dos trabalhadores – os artesãos exerciam o controle de todo processo, desde a concepção até a pós-venda. A produção era modesta e limitada, as peças eram personalizadas e ajustadas manualmente, de acordo com a solicitação dos clientes. A INSPEÇÃO era realizada informalmente pelos artífices para garantir a QUALIDADE e uma boa impressão dos seus produtos para obter a preferência da clientela.

A introdução da produção em massa no início do Século XX (TAYLORISMO e FORDISMO) teve por objetivo atender a uma demanda cada vez mais crescente.

O foco da gestão passou a verificar e acompanhar os problemas e o INSPETOR DE QUALIDADE teve a responsabilidade para determinar a qualidade de um processo, de uma peça ou de um componente. A preocupação era dirigida somente ao produto acabado – a INSPEÇÃO procurando por produtos defeituosos para impedir que eles chegassem aos clientes (não havia o cuidado com a solução dos problemas e sim com a uniformidade dos produtos).

A INSPEÇÃO utilizava métodos para vigiar o nível da QUALIDADE com instrumentos de medição, trenas, paquímetros, calibres, gabaritos e acessórios para certificar que os produtos fossem considerados com QUALIDADE ou não. Essencialmente, a QUALIDADE permaneceu ligada à atividade de INSPEÇÃO até que um trabalho de pesquisa na BELL TELEPHONE trouxe outra abordagem pelo controle estatístico do processo.

2 – Era do Controle Estatístico da Qualidade: SHEWHART reconheceu que a variabilidade era um fato concreto na indústria e que ela seria entendida por meio dos princípios da probabilidade e da estatística. Sua pesquisa feita na BELL TELEPHONE se tornou referência com a publicação do livro ECONOMIC CONTROL OF QUALITY OF MANUFACTURED PRODUCT (1931). A obra trouxe a ideia da QUALIDADE de maneira científica, com novas definições, técnicas, avaliações, melhorias da qualidade, inspeção por amostragem e CEP (CONTREOLE ESTATÍSTICO DA QUALIDADE).

As peças também passaram a ser inspecionadas durante a fabricação, controlada e aperfeiçoada com técnicas de AMOSTRAGEM, gráficos de controle do processo e técnicas estatísticas.

As técnicas de AMOSTRAGEM partem do princípio que a inspeção de 100 % da produção é uma forma ineficiente para separar os produtos de QUALIDADE inadequada. Uma alternativa racional é a verificação de um número limitado de produtos dentro de um lote de produção e, depois, decidir, com base nesta verificação, se o lote inteiro é de QUALIDADE. Mas, este processo envolve riscos. Como as amostras nunca são inteiramente representativas é provável, ocasionalmente, aceitar um lote de produção com muitos itens defeituosos. O inverso é verdadeiro: é possível reprovar lote de produção de qualidade perfeitamente adequada.

O CONTROLE ESTATÍSTICO estabeleceu um nível de tolerância para as atividades, operações e componentes pela inviabilidade da inspeção em 100% do processo produtivo (a uniformidade de produtos com menor número de inspeções).

3 – Era da Garantia da Qualidade: esta ERA pesar sustentar os mesmos objetivos, passou a ter características gerenciais (uma filosofia de gestão com visão sistêmica do processo de GESTÃO DA QUALIDADE) e acrescentou QUATRO NOVOS ELEMENTOS: QUANTIFICAÇÃO DOS CUSTOS DA QUALIDADE, o CONTROLE TOTAL DA QUALIDADE, a ENGENHARIA DA CONFIABILIDADE e o DEFEITO ZERO.

 “O sistema da qualidade passará a incluir agora o desenvolvimento de novos produtos, a seleção de fornecedores e o atendimento aos clientes, além do controle da fabricação”. GARVIN (2002 p.16).

 3.1 – Quantificação dos CUSTOS DA QUALIDADE: segundo CARVALHO e PALADINI (2005) os custos podem ser classificados:

Do ponto de vista do PROCESSO: custos de CONFORMIDADE e de NÃO CONFORMIDADE:

Custos de CONFORMIDADE – têm relação com o fornecimento de bens e serviços dentro das especificações. Custos de NÃO CONFORMIDADE – têm origem na ineficiência do processo causando refugos, desperdícios de materiais, desperdícios de mão-de-obra, RETRABALHO etc.

Do ponto de vista do PRODUTO: custos com prevenção, análise e falhas, sejam internas e/ou externas.

Custos de PREVENÇÃO: são relacionados à observação e identificação de problemas antes da matéria-prima ser colocada em fabricação.

Custos de AVALIAÇÃO: direcionados na verificação do nível de qualidade alcançado pelos produtos.

Custos com FALHAS INTERNAS E EXTERNAS: incluem erros da fabricação de peças defeituosas.

3.2 – Controle total da QUALIDADE: outra característica interessante foi quanto ao entendimento de que toda a organização tem influência sobre a QUALIDADE e a responsabilidade não é mais apenas de um INSPETOR ou de um departamento. Portanto, o CONTROLE DA QUALIDADE agora é TOTAL e não mais uma atividade exclusiva de um setor específico ou do processo produtivo. Todos na organização se tornam responsáveis pela GARANTIA DA QUALIDADE – todas as áreas que, de forma direta ou indireta, possam ter influência no nível de QUALIDADE.

3.3 – Engenharia da CONFIABILIDADE: garante que um produto atenda às expectativas dos clientes para a função (ou funções) esperadas durante um período de tempo em condições específicas e de forma consistente. Utiliza diferentes tipos de análise para identificar falhas e possíveis problemas de confiabilidade, antecipadamente, no ciclo de vida do produto.

Para elevar a CONFIABILIDADE do produto, a análise é efetuada ainda durante o estágio de projeto para evitar prejuízos (recursos aplicados, introdução no mercado e ou na produção). Conforme GARVIN (2002, p.17), na Era da Garantia da Qualidade a ENGENHARIA DA CONFIABILIDADE considera ”um desempenho aceitável do produto ao longo do tempo”.

3.4 – DEFEITO ZERO: é um programa para a redução de defeitos na produção industrial. Significa o empenho da empresa para realizar processos de maneira padronizada e correta.

Mesmo tendo a designação de ZERO DEFEITO não significa que o nível de falhas será extinto, mas sim que todos deverão realizar esforços ao máximo para minimizar os erros.

Mesmo com as novas visões desenvolvidas nesta ERA sobre a QUALIDADE (conceituais e técnicas com os QUATRO NOVOS ELEMENTOS), a mentalidade das empresas continuou sem ter uma visão que considerasse o assunto como uma possível vantagem sobre os concorrentes.

4 – Era da Gestão da Qualidade Total (Total Quality Management – TQM): de acordo com GARVIN, as mudanças nos níveis de exigências dos consumidores e forças externas com relação à perda de lucratividade e perda de participação no mercado obrigaram as empresas a modificarem a sua visão sobre a QUALIDADE e sobre a forma de gerenciá-la.

Na década de 80, a concorrência, principalmente japonesa fez com que as empresas norte-americanas entendessem que a preocupação com os níveis de QUALIDADE deveria ser parte do planejamento estratégico (ela passou a ser entendida em uma perspectiva estratégica). Isto significa que a QUALIDADE se tornou fator indispensável para a continuidade (sobrevivência) e relevante para as empresas ganharem fatias de mercado. Portanto, de acordo com esta ideia, a abordagem estratégica da QUALIDADE passa a ser considerada a partir do ponto de vista do cliente (os requisitos do cliente definem a QUALIDADE), associada a lucratividade e parte importante do PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO.

OS CONCEITOS DE QUALIDADE SEGUNDO GARVIN

Ainda dentro do seu processo de evolução, GARVIN conceitua 5 abordagens principais da QUALIDADE:

1 – Abordagem Transcendental: nesta abordagem a QUALIDADE significa beleza, atratividade e excelência nata. Situação encontrada em produtos ou serviços que são reconhecidos pela qualidade em tudo que fazem.  

2 – Abordagem Baseada no produto: se um produto tem QUALIDADE quando realiza aquilo que se espera dele (satisfaz uma necessidade e atende às expectativas). Então, a QUALIDADE também está na variedade de algumas características a mais que agregam valor ao produto. Qualidade é a adequação ao uso. (JURAN, 1974).  

3 – Abordagem Baseada na Produção: o produto/serviço tem QUALIDADE se estiver seguindo as normas e as especificações do seu projeto do produto/serviço durante a produção. A QUALIDADE é a conformidade do produto às suas especificações.

4 – Abordagem Baseada no Consumidor: se o consumidor se satisfaz o produto tem qualidade (este é o reflexo da preferência). Segundo GARVIN é o conceito mais difícil de estabelecer por ser dependente  da impressão pessoal, experiência de uso de cada indivíduo.

5 – Abordagem Baseada no Valor: á satisfação, desempenho ou conformidade a um preço aceitável. O fator preço faz a diferenciação de níveis entre os consumidores – eles podem e querem pagar o preço do produto, o que para muitos, significa QUALIDADE: a exclusividade também é vista como um DIFERENCIAL.

Sugestão de Leitura

OLIVEIRA, OTÁVIO JOSÉ.  Gestão da qualidade: tópicos avançados. Editora Cengage Learning. Edição 1ª. São Paulo 2003.

MARSHALL Jr., ISNARD. Gestão da Qualidade. Editora FGV.  Edição 10ª.  Rio de Janeiro, 2006.

JURAN, JOSEPH M., GRYNA, FRANK M. Controle da qualidade: conceitos, políticas e filosofia da qualidade. Editora Makron-McGraw-Hill. São Paulo, 1991.

PALADINI, EDSON PACHECO. Gestão da qualidade: teoria e prática. Editora Atlas. Edição 2ª. São Paulo, 2004.

PALADINI, EDSON PACHECO. Gestão estratégica da qualidade: Princípios, métodos e processos. Editora Atlas – GRUPO GEN. Edição 2ª. São Paulo, 2009.

CARVALHO, MARLY MONTEIRO DE; PALADINI, EDSON PACHECO. Gestão da qualidade: teoria e casos. Editora Elsevier. Edição 2ª. Rio de Janeiro, 2005.

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