Se para o Brasil os anos 70 foram um desastre, a década seguinte conseguiu ser ainda pior. Entre 1974 e 1980, o governo militar tentou ampliar a atividade industrial e ocasionou o aumento da dívida externa e da inflação. A situação do Brasil, na década de 80, foi uma sequência das crises da década anterior. Os dois choques do petróleo (1973 e 1979) causaram sérios problemas: elevaram as taxas de juros no mercado internacional bem como a dívida externa, resultando em recessão, inflação e hiperinflação.
O CENÁRIO
No início dos anos 80, o Governo de JOÃO FIGUEIREDO criou um plano de austeridade e aumentou os juros na economia. Mas, não solucionou a situação das contas públicas e nem reduziu o déficit fiscal e o endividamento externo.
A situação foi se deteriorando e provocou uma longa recessão, crise política e agitação pelas DIRETAS – JÁ, , clima que perdurou até a eleição de TANCREDO NEVES em 1985, uma esperança para a salvação do Brasil.
Com a morte de TANCREDO NEVES, JOSÉ SARNEY assumiu a presidência trazendo de volta a normalidade democrática. A saída dos militares, após 21 anos, e a redemocratização foram apresentadas ao povo brasileiro como a solução para reverter a situação que castigava o Brasil há alguns anos. O Governo SARNEY (1985 – 1990) tentou, sem êxito, adotar medidas para solucionar a crise através de planos econômicos. Entretanto, os problemas se aprofundaram cada vez mais.
A CONSTITUIÇÃO CIDADÃ: a CONSTITUIÇÃO DE 1988 procurou construir uma nova política: democrática e justa, de cunho social, que estabelecesse um desenvolvimento verdadeiro e seguro, sem as desigualdades provocadas durante o regime militar. A “CONSTITUIÇÃO CIDADÔ conferiu garantias e direitos fundamentais aos brasileiros. Porém, nem a saída dos militares e nem a nova CONSTITUIÇÃO reverteram o cenário desfavorável.
A ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAL
Nos primeiros anos da década de 80, as empresas de grande porte ou as que se modernizaram na época, já haviam separado as funções entre RECURSOS HUMANOS (ou RH) e o DEPARTAMENTO PESSOAL (ou DP):
RECURSOS HUMANOS: tinha a finalidade de administrar e atuar na mediação das relações entre a empresa e seus empregados (agora chamados de COLABORADORES). Este novo papel mais abrangente, assumido pela ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAL, ocorreu em função de uma situação política instável, de uma economia caminhando para um imenso desequilíbrio e diante de um movimento sindical, mais coeso e altamente politizado. Desta forma, o RH teve que se adaptar rapidamente às novas relações de trabalho. Neste período, as tarefas da área do RH também foram ampliadas.
Além de selecionar, contratar e treinar, ela passou a se envolver com a segurança e higiene do trabalho, Acordo Coletivo de Trabalho, pesquisa de salários, pesquisa de benefícios, medicina do trabalho, convênios diversos e programas de incentivos. Assim, houve a necessidade de desenvolver outras expertises, ter visão HOLÍSTICA e aumentar sua INTERFACE.
DEPARTAMENTO PESSOAL: voltado para administrar a burocracia e a rotina com eficiência, seguir a legislação trabalhista e organizar a documentação. Fez parte de suas atividades os processos de admissão, demissões, cálculos trabalhistas, licenças, afastamentos, indenizações, férias, salários, folha de pagamento, bonificações, comissões, atualizações cadastrais, 13° salário, salário família, INPS, FGTS, PIS, Vale-transporte (Lei nº 7.418 – 1985), Cesta Básica e Ticket Alimentação (conforme o PAT – Programa de Alimentação do Trabalhador pela Lei 6.321/76). Na mesma época empresas médias, em geral, apresentavam sua estrutura com o DP fazendo suas funções básicas e as funções do RH (porém, com a qualidade e a eficiência sofríveis).
O MERCADO DE TRABALHO
A taxa de desemprego, que chegou a números impressionantes, teve início na indústria e se espalhou pelos demais setores. Dificilmente, alguma família não tinha alguém próximo, ou um de seus membros, que não estivesse sem colocação no mercado. A crise e a demora da retomada do crescimento causaram a retração do mercado de trabalho FORMAL e a queda abrupta nos níveis de emprego.
1 – A INFORMALIDADE:
Em compensação, na mesma proporção, houve um grande aumento no trabalho INFORMAL. Nas grandes cidades, a região central começa a ser tomada por vendedores ambulantes, ou comerciantes de rua. Com o tempo eles vão formar uma parte considerável da economia informal (camelôs ou marreteiros).
Muitos, para enfrentar as circunstâncias, conseguiram empregos temporários, sem registro em carteira, na esperança de futuramente serem formalizados pelas empresas. Outros passaram a fazer “Bicos” ou foram trabalhar por conta própria como autônomos, em qualquer tipo de atividade, fora da sua área de formação. Por falta de oportunidades, a opção de muitos foi aceitar trabalhar em pequenas e médias empresas, sem carteira assinada, sem registro, sem vínculos formais e sem direitos (41,9% em 1981 e 47,2% em 1983). Em caso de desligamento, abriam processos na Justiça do Trabalho em busca dos seus diretos.
O trabalho INFORMAL trouxe sérias consequências: precarização do trabalho, queda no nível de renda, no consumo e na qualidade de vida, endividamento da população, aumento das desigualdades e desequilíbrios que agravaram a situação econômica.
Grande parte dos trabalhadores na INFORMALIDADE não tiveram condições para contribuir para Previdência. Portanto, futuramente, esta seria uma das causas do grande déficit do INSS. Com uma oferta abundante de mão de obra e com a situação adversa nos grandes centros, as empresas se tornaram exigentes e seletivas para preencher as poucas vagas disponíveis. Os requisitos, em todos os níveis da hierarquia, se tornaram quase impossíveis de serem atendidos. Para nível de Gerência, segue o exemplo:
Quem estava empregado, corria o sério risco de ser demitido de surpresa.
E algumas empresas incentivaram os funcionários a participar do PDV (Plano de Demissão Voluntária): quem solicitasse demissão receberia salários extras, 6 meses de convênio médico estendido e diversas outras vantagens.
“Em outras oportunidades as empresas criavam o PDI (Plano de Demissão Involuntário). Mandavam embora mesmo.”
“… havia dias em que eu ia para o trabalho e não sabia se ainda estava empregado. E nem mesmo se a empresa ainda existia…”.
“… por conta disso a convivência no ambiente de trabalho era péssima. Colegas se tornaram rivais, havia muita insegurança, a pressão era grande, as situações humilhantes e constrangedoras eram muito comuns…”.
INFORMÁTICA
Na década de 80, outro fator, aos poucos, veio agravar a situação do mercado de trabalho. A introdução da INFORMÁTICA em 1981 (com o IBM 5150 PC – PERSONAL COMPUTER) começou a suprimir vagas nas empresas.
Ao longo da década, a modernização fez parte da rotina e a introdução da nova tecnologia trouxe maior eficiência produtiva no trabalho, reduziu o tempo das tarefas e aumentou o volume das informações disponíveis. Entretanto, gradativamente eliminou muitos postos de trabalho em todas as áreas. Por exemplo, com uso da INFORMÁTICA, um departamento com 20 funcionários pode ser reduzido a 8 (ou até menos que isso).
A TERCEIRIZAÇÃO
Na metade da década de 80, diante da retração generalizada dos negócios, muitas empresas passaram a se valer da TERCEIRIZAÇÃO para suprimir, total ou parcialmente, uma ou mais atividades executadas internamente por seus funcionários. Várias áreas administrativas e operacionais, consideradas secundárias e auxiliares, foram eliminadas e transferidas para empresas especializadas, agências ou escritórios. Este processo possibilitou agilidade e maior nível de eficiência para que as empresas se dedicassem às suas atividades principais.
As empresas buscavam a reestruturação organizacional e a racionalização de recursos com o objetivo de minimizar operações, desativar setores, enxugar estruturas, baixar custos e ter maiores lucros. Na ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAL a TERCEIRIZAÇÃO diminuiu ou eliminou o DP, substituindo por escritórios de Contabilidade ou Advocacia. Boa parte da atividade do RH também foi TERCEIRIZADA com Agências de Emprego, Clínicas de Psicologia, empresas especializadas em Treinamento e Escritórios de Assessoria e Recolocação de Pessoal etc. Excetuando as áreas consideradas ESTRATÉGICAS, a TERCEIRIZAÇÃO também atingiu outras áreas além da ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAL: Marketing, Vendas, Contabilidade, Produção, Serviços Gerais, Logística, Transporte, Armazenagem…
A TERCEIRIZAÇÃO se generalizou de forma muito rápida e ganhou maior dimensão no começo dos anos 90. Na verdade, muitas empresas não procuraram aperfeiçoar sua eficiência organizacional (um processo lento e trabalhoso). Para enxugar a estrutura, diminuir custos e ter lucro, a TERCEIRIZAÇÃO foi uma saída rápida e econômica (e entendida como dispensar funcionários).
“A empresa está muito inchada, é preciso queimar gordura…”.
Este comentário, comum entre muitos executivos da época, mostra o nível do tratamento e respeito em relação ao trabalhador.
TENDÊNCIAS
O interesse por concursos públicos se tornou uma opção atraente para muitos que estavam sem colocação no mercado de trabalho. Para a maioria, não foi por idealismo e sim a busca pela estabilidade no emprego. Para tanto, surgiram cursos especializados em preparar candidatos para o processo seletivo.
Da mesma forma que aconteceu na década de 70, muitos indivíduos se arriscaram para se estabelecer por conta própria em pequenos negócios (AUTO EMPREGO sem preparo, sem espírito EMPREENDEDOR – apenas por uma questão de sobrevivência).
A partir de 1980, um contingente de mão-de-obra jovem e recém-formada, chegou ao mercado de trabalho. Era mais uma leva cheia de sonhos, aspirações e com desejos de realização profissional, mesmo diante do quadro sombrio que o Brasil oferecia. Por uma questão de diferença de cultura e de formação, os atritos com os CHEFES da “VELHA-GUARDA” foram comuns. Os jovens profissionais eram questionadores e críticos, sem o perfil obediente da geração BABY BOOM.
Desde o fim dos anos 70, a situação era bem diversa. Nos anos 40, 50 e 60 as empresas se expandiam e, portanto, pela MERITOCRACIA, havia a possibilidade de carreira e estabilidade no emprego. Porém, nos anos 80, trabalhar duro, bater metas e superar objetivos não garantia mais a chance de promoção e, muito menos, a permanência no emprego. Muitas empresas desapareceram, foram absorvidas, encerraram atividades ou faliram. E as que sobreviveram diminuíram de tamanho.
Para muitos profissionais, o trabalho se tornou desmotivador, sem finalidade, só um meio de sobrevivência. Infelizmente, a evolução profissional e o “EMPREGO PARA SEMPRE” ficaram no passado. Na grande parte dos casos o “Plano de Carreira” apresentado pelo RH, no momento da admissão, ficou apenas no papel, como um discurso vazio.
A DÉCADA PERDIDA?
Para os economistas, a década de 1980 foi um período negativo no que se refere ao desenvolvimento. Ou seja, uma “A DÉCADA PERDIDA” para o Brasil e para outros países da América Latina. O período foi caracterizado pela estagnação, menor produção industrial, crise na economia, queda do Produto Interno Bruto (PIB), altas taxas de inflação, desvalorização da moeda, retração de mercados e maior desigualdade social que agravou o desarranjo social e a distribuição de renda.
No caso brasileiro, o PIB já mostrava claros sinais de desaceleração na segunda metade dos anos 70 (o crescimento médio de 7% caiu para 2% nos anos 80). Além do mais, as taxas de juros internacionais elevaram a dívida externa do Brasil e o déficit público. A inflação brasileira de 77,2% em 1979 chegou a 1.782,9% em 1989 e a 1.476,7% no ano seguinte. O poder de compra e o desemprego cresceram vertiginosamente, principalmente a partir de 1982.
Mas, outras opiniões afirmam, com veemência, que foi um período extremamente vitorioso. O Brasil passou pela transição democrática, criou um grande pacto político em que surgiram novas forças, e houve uma intensa participação popular. As duas CRISES DO PETRÓLEO encerraram a fase do MILAGRE ECONÔMICO, enfraqueceram o regime militar e aceleraram a volta da democracia. Numa visão de caráter político, para muitos analistas não foram anos perdidos.
Mas, para a área de RH foi uma fase de transição muito difícil e de grandes desafios. Para o mercado de trabalho, um verdadeiro desastre: desemprego, incertezas, mudanças de rumo, perda de poder aquisitivo e desajustes que, para muitos indivíduos, nunca mais tiveram recuperação…
Sugestão de Leitura:
PEREIRA, LUIZ CARLOS BRESSER. Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil. Editora 34. Edição 1ª. São Paulo, 1996.
LACOMBE, FRANCISCO. Recursos Humanos: Princípios e Tendências. Editora Saraiva, Edição 2ª. São Paulo, 2011.
ROTSTEIN, JAIME. Petróleo a crise dos anos 80. Editora Digitaliza. Rio de Janeiro, 2016.
SOUZA, MARIA JOSÉ. GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS. Editora Lidel. Edição 1ª. Lisboa, Portugal, 2006.
AQUINO, CLEBER PINHEIRO DE. Administração de Recursos Humanos, Uma introdução. Editora Atlas. Edição 1ª. São Paulo, 1980.
GREMAUD, AMAURY PATRICK; VASCONCELLOS, MARCO ANTONIO SANDOVAL DE. Economia Brasileira Contemporânea. Editora Atlas. Edição 4ª. São Paulo, 2002.
PEREIRA, LUIZ CARLOS BRESSER. Em busca do desenvolvimento perdido: um projeto novo de desenvolvimentista para o Brasil. Editora FGV. Edição 1ª. Rio de Janeiro, 2018.
MAYO, ANTHONY J.; NOHRIA, NITIN. Da Crise do Petróleo à Internet. Editora Campus. Edição 1ª. Rio de Janeiro, 2008.
VILLA, MARCO ANTÔNIO. Ditadura À Brasileira: 1964 – 1985 – A democracia golpeada à esquerda e à direita. Editora LeYa. São Paulo, 2014.