Contabilidade – A Escola Alemã

INTRODUÇÃO:

Grande parte do processo de desenvolvimento da CONTABILIDADE deveu-se às escolas europeias, principalmente por parte dos teóricos italianos. Mas, outras escolas de pensamento contábil surgiram na EUROPA: na FRANÇA, com destaque para o NEOCONTISMO de DUMARCHEY e a ESCOLA ALEMÃ com realce para os trabalhos de EUGEN SCHMALENBACH. Elas fizeram parte do processo evolutivo da CONTABILIDADE e cada uma foi compatível com o seu período histórico.

O início do Século XX foi um período marcado pela II REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (1860 – 1914). Houve um expressivo crescimento industrial, inovações técnicas, novas formas de produção, o uso da eletricidade e do petróleo como fontes de energia e o aço como uma das matérias-primas mais importantes.

E estas transformações se refletiram, de forma direta, nas necessidades dos usuários da CONTABILIDADE do fim do século XIX e início do século XX contribuindo fortemente para o avanço desta ciência, inclusive na ALEMANHA.

EUGEN SCHMALENBACH

JOHANN WILHELM EUGEN SCHMALENBACH (1873 – 1955) foi um economista, teórico e acadêmico alemão. Frequentou a Faculdade de Comércio de LEIPZIG, lecionou na FACULDADE DE COLÔNIA (1913 a 1933) e desenvolveu periódicos sobre economia, gerenciamento de negócios e CONTABILIDADE financeira. É o autor que abordou o cálculo real do resultado da empresa. Além de lecionar, foi um pesquisador, principalmente na área de custos, no gerenciamento de empresas e trabalhos de auditoria.

Na década de 1920 concentrou sua teoria em gestão de negócios e análise de custos fixos. Para muitos, ele foi o principal teórico da economia empresarial e da CONTABILIDADE. Com o objetivo de coordenar o diálogo entre a pesquisa empresarial, o ensino e a prática, criou em 1932 a SCHMALENBACH SOCIETY onde ele pode continuar seus trabalhos durante o período do HITLERISTA (1933 – 1945). Na SOCIETY procurou estreitar o vínculo entre a pesquisa em economia empresarial e o mundo dos negócios com a junção entre ciência e prática.

A carreira de EUGEN SCHMALENBACH foi marcada por seu envolvimento com os problemas políticos em uma época conturbada da história alemã:

Em 9 de novembro de 1918 o KAISER GUILHERME II renunciou ao trono e encerrou a era imperial alemã. No mesmo dia, foi proclamada a República e dois dias depois, os representantes da ALEMANHA assinaram o armistício que encerrou a I GUERRA MUNDIAL.

A ALEMANHA entrou em uma situação política caótica e, em função dos tumultos, o novo governo republicano se transferiu para a cidade de WEIMAR. Em 1919 foi assinado em PARIS o TRATADO DE VERSALHES responsabilizando os alemães pela guerra, impondo pesadas reparações pelos prejuízos causados e uma série de restrições.

As cláusulas do tratado aprofundaram as crises política e econômica e a hiperinflação que causou o colapso monetário da REPÚBLICA DE WEIMAR (1921 a 1924). Todos estes fatos deixaram nos alemães um sentimento de humilhação e injustiça. Em 1929, quando o país lentamente se recuperava, sobreveio o CRASH da BOLSA DE NOVA YORK agravando ainda mais a situação. O sentimento da derrota e as sucessivas crises na economia favoreceram ADOLF HITLER para chegar ao poder em 1933.

O banco central de WEIMAR imprimiu grandes volumes de dinheiro, que perdia o valor rapidamente. As pessoas tinham dificuldades para carregar milhões de marcos em espécie para as compras (em cestos ou carrinhos de mão). Um dólar americano valia milhões de marcos alemães.

Na década de 1920, SCHMALENBACH participou ativamente dos problemas políticos através do Partido Democrático de Colônia, colaborou em funções consultivas nas comissões econômicas relacionadas ao nível de preços e contabilidade do estado para salvar a REPÚBLICA. Em 1927, se dedicou apenas à carreira de professor e se afastou definitivamente da política, frustrado pela incompetência dos dirigentes e pela burocracia ineficiente. 

Em 1933, com a ascensão do nazismo, SCHMALENBACH não se livrou da opressão sofrida por diversos de seus colegas. Foi obrigado a renunciar ao ensino e atuar somente na SOCIETY. Por ser casado com uma judia, foi perseguido pela GESTAPO e constantemente ameaçado de deportação para THERESIENSTADT (um campo de concentração na TCHECOSLOVÁQUIA). Mas, sua fama mundial ajudou a livrá-lo de maiores problemas. Em 1945, após os horrores do nazismo, retornou à universidade como professor e de 1947 a 1950 foi diretor do seminário de organização empresarial.  

A ESCOLA ALEMÃ  

A ESCOLA ALEMÃ produziu uma série de mudanças em tudo o que envolvia a CONTABILIDADE: mercado financeiro, aumento do crescimento das empresas e expansão dos grupos empresariais. Entretanto, estas mudanças ocorreram em um cenário de desordem e de crises sociais durante a I GUERRA e no pós-guerra.

PAULO SCHMIDT (2000) aborda a ESCOLA ALEMÃ com muita propriedade afirmando que nesta época ocorreram diversas ideias e movimentos que passaram a estudar DUAS DISCIPLINAS na CONTABILIDADE:

1 – BETRIEBSWIRTSCHAFTSLEHRE (traduzido do alemão – ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS): segundo SCHMIDT (2000, p. 163), essa disciplina procura conhecer e explicar as atividades empresariais, assim como determinar princípios para seu melhor gerenciamento.

2 – RECHNUNGSWESEN (traduzido do alemão – CONTABILIDADE): segundo SCHMIDT (2000, p. 167), ela representa o conjunto de registros efetuados nos organismos econômicos com o objetivo de fornecer subsídio para demonstrações da GESTÃO.

Foi o complemento da disciplina anterior, pois, para análise das empresas são necessários instrumentos, que são oferecidos pela RECHNUNGSWESEN. Serve também como base para usuários e empresários, orientando-os em sua GESTÃO e controle da empresa.

REDITUALISMO

A partir desta escola, várias correntes, apareceram com o passar dos anos. Uma delas, fomentada por SCHMALENBACH, foi a REDITUALISTA. Segundo ANTÔNIO LOPES DE SÁ (1997, p.93), SCHMALENBACH reforçou, embora sem ênfase exagerada, a posição social da azienda, como fonte de produção, mas com viés patrimonialista e visando ao resultado ou lucro.

Para SCHMALENBACH, as empresas tinham um papel social, por isso não deveriam pensar somente no valor monetário das coisas, mas também no valor social. Ele estudou principalmente as empresas e seus resultados e acreditava que o tempo do lucro não era sempre o mesmo, que o ano do calendário, ou seja, um exercício social de uma empresa, não deveria ter sempre um ano e sim ser adaptado ao que for melhor para o interesse da empresa.

Rédito – FONTE: https://www.dicio.com.br/redito-2/

Significado de RÉDITO: substantivo masculino. Ato de voltar, de regressar a; volta. Resultado satisfatório obtido como efeito de; lucro material. [Economia] Valor que se obtém de um investimento; juro, rendimento, lucro. Etimologia (origem da palavra rédito) – do latim REDITUS, volta ou rendimento.

REDITUALISMO exprime o resultado (lucro ou prejuízo) e este deve ser o princípio e, para os REDITUALISTAS, o objeto de estudo da CONTABILIDADE. É o reconhecimento da perda ou do lucro como fonte principal da continuidade da atividade empresarial.

É o aumento do patrimônio da empresa, sem o consequente aumento do seu passivo, ou a diminuição do seu patrimônio, sem correspondente diminuição do passivo. Isto quer dizer que o RÉDITO positivo corresponde ao lucro ou aumento do patrimônio e o RÉDITO negativo ao prejuízo ou redução do patrimônio da empresa.

Essa corrente de pensamento foi desenvolvida na ALEMANHA e produziu efeitos em outros países da Europa. Os REDITUALISTAS tiveram por princípio admitir que o lucro é o mais preocupante como objeto de estudo, sendo o fenômeno básico a ser observado, embora com a relatividade necessária. (1997. P. 92).

Ainda de acordo com (1997, p.94), SCHMALENBACH afirmava que o RÉDITO deveria ser uma medida relativa entre o que o capital oferece ao empreendedor e o que a azienda oferece a sociedade em que vive.

É uma visão de cunho um pouco socialista. Afinal, naquela época, a Alemanha da REPÚBLICA DE WEIMAR ainda presenciava fortes movimentos socialistas do pós-guerra e com influência em toda a sociedade. De fato, SCHMALENBACH, orientou seus estudos para uma visão social do resultado.

O REDITUALISMO não ganhou força como escola, pois diversos apreciadores das ideias de SCHMALENBACH criticavam seu objeto de estudo sob a justificativa de que o RÉDITO é o efeito da dinâmica patrimonial e não a causa.

A ESCOLA ALEMÃ prescreveu as bases da CONTABILIDADE DE CUSTOS e a CONTABILIDADE INFLACIONÁRIA. Ela contribuiu para os fundamentos conceituais através de teorias da contabilidade inflacionária e da edição de princípios, além de facilitar o processo de GESTÃO. Assim, a CONTABILIDADE deu qualidade a informação, uma visão mais dinâmica e divulgou a relatividade do lucro.   

SCHMIDT (2000, p. 172), afirma que SCHMALENBACH teve grande destaque ao elaborar conceitos como o de centros de custo, custo fixo e variável etc.  Em 1927 desenvolveu um modelo de plano de contas que demonstrava como era vantajosa a CONTABILIDADE DE CUSTOS. Também foi a ESCOLA ALEMÃ que diferenciou custos, gastos e pagamentos: custo é aquilo que o que se utiliza no processo de produção, gasto é quando se adquire um bem ou serviço e o pagamento é o momento do desembolso.

As ideias surgidas na Alemanha se dedicaram a análise da GESTÃO e da organização das entidades, buscando a sistematização dos conhecimentos relativos à vida econômica das empresas, assim como a formulação dos princípios que presidem a organização e a gestão das mesmas.

Sem dúvida, a influência alemã foi evidente e grande parte deste conceito se deveu às ideias de EUGEN SCHMALENBACH. Seus trabalhos deram grande atenção ao estudo das diferenças entre o comportamento real da empresa e as informações contábeis e financeiras. 

EUGEN SCHMALENBACH publicou vários livros e artigos conhecidos por todo o mundo. Suas doutrinas foram menos teóricas em comparação com outras escolas contábeis de sua época. Além do mais, ele concentrou parte de seus estudos em temas como crédito e sistema de financiamento e não se prendeu aos aspectos mais sistemáticos de suas suposições para torná-los mais aplicáveis ​​à realidade existente.

Nos últimos anos da sua vida trabalhou a doutrina económica, sendo especialmente importante a apresentação do seu plano de contas para criar a estrutura de banco de dados que formou as bases para os sistemas contábeis atuais. 

AS OBRAS DE EUGEN SCHMALENBACH

Os estudiosos da CONTABILIDADE consideram o início da ESCOLA ALEMÃ em 1919 com o livro GRUNDLAGEN DYNAMISCHE BILANZLEHRE (FUNDAMENTOS DA TEORIA DO BALANÇO DINÂMICO) por SCHMALENBACH – foi o livro contábil mais importante da ALEMANHA na primeira metade do século XX.

O autor apresentou inovações como: a separação clara do balanço patrimonial da demonstração do resultado do exercício, a correção monetária de acordo com um índice geral de preços ou com o padrão-ouro e valoração dos ativos pelos preços correntes.

A teoria do BALANÇO DINÂMICO: SCHMALENBACH separou os balanços em BALANÇOS ESTÁTICOS e BALANÇOS DINÂMICOS.

BALANÇO ESTÁTICO: utilizado para a determinação do valor e composição do patrimônio em um determinado momento. BALANÇO DINÂMICO: o objetivo foi a apuração do resultado de um exercício, sendo considerado por isso mesmo um balanço de resultados.

Para SCHMALENBACH a conta principal era a de GANHOS E PERDAS por apresentar a movimentação ocorrida em um determinado período em função da GESTÃO sobre um patrimônio.

A ESCOLA ALEMÃ também teve outros estudiosos:

LEO GOMBERG: nascido na RÚSSIA e radicado na SUÍÇA, estudou e pesquisou sobre as atividades econômicas na CONTABILIDADE. Segundo SCHMIDT (2000, p. 165), ele foi considerado um dos precursores doutrinários da escola alemã, mesmo não tendo nascido e vivido na ALEMANHA.

JULIUS AUGUST FRITZ SCHMIDT: foi um economista comercial alemão e professor na Universidade de FRANKFURT em 1913. Sua principal obra foi DIE ORGANISCHE TAGESWERTBILANZ (A TEORIA ORGÂNICA DO BALANÇO) que trouxe as bases teóricas para o valor de mercado na CONTABILIDADE.  A característica de sua TEORIA ORGÂNICA é que ele compreendia a empresa como uma célula na economia geral no contexto da inflação alemã após a I GUERRA MUNDIAL.

FRIEDRICH LEITER: suas ideias eram relativas à economia de empresa e deu prioridade à maximização do lucro.

WILHELM RIEGER: afirmava que a empresa não pode ser vista somente pelo lado social, mas também como quem busca de um ganho monetário.

ALEXANDER HOFFMANN: o objeto de estudos de uma empresa devia ser a obtenção de lucro.

Percebe-se que LEITER, RIEGER e HOFFMANN não demonstraram o interesse em relação ao lado social como SCHMALENBACH. Contudo, as ideias, de acordo com SCHMIDT (2000, p. 167), estão todas direcionadas para a análise da GESTÃO e da organização das empresas, buscando a sistematização dos conhecimentos relativos à vida econômica delas e a formulação dos princípios que presidem sua organização e GESTÃO.  

Sugestão de Leitura

SCHMIDT, PAULO. História do Pensamento Contábil. Editora Bookman. Edição 1ª. Porto Alegre, 2000.

ANTÔNIO LOPES DE SÁ. História geral e das doutrinas da contabilidade. Editora Atlas. Edição 4ª. São Paulo, 1997.

ANTONIO CARLOS RIBEIRO DA SILVA E WILSON THOMÉ SARDINHA MARTINS. História do pensamento contábil. Editora Juruá. Edição 3ª. Curitiba, 2008.

SCHMIDT, PAULO; SANTOS, JOSÉ LUIZ DOS. História da contabilidade: foco na evolução das escolas do pensamento contábil. Editora Atlas. Edição 1ª. São Paulo, 2008.

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